quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Talentos latentes

Nada menos que um século é o tempo que o Brasil levará para equiparar a condição salarial de homens e mulheres, se perdurar a inércia na adoção de medidas direcionadas à reversão do tenebroso quadro atual. O País exibe uma das maiores diferenças de remuneração entre gêneros do planeta. A projeção consta do Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2016 do Fórum Econômico Mundial, publicado em outubro, na cidade de Genebra, na Suíça. 

"País está pior que nações internacionalmente repudiadas por violações
aos direitos das mulheres, como Irã, Iêmen e Arábia Saudita"
Dos 144 países avaliados, o Brasil fica com a penosa 129ª posição quando analisado somente no quesito de igualdade de salários entre gêneros. Significa que o País está pior que nações internacionalmente repudiadas por violações aos direitos das mulheres, como Irã, Iêmen e Arábia Saudita. Isso gera a estimativa de 95 anos para equiparar as condições econômicas de homens e mulheres, se o atual ritmo de progresso for mantido.

No panorama geral, incluindo política, educação e outros aspectos sociais, quebrar a diferença entre gêneros é uma missão para 104 anos. Apesar do ritmo de avanço ser considerado lento demais, nosso consolo é que a taxa brasileira ainda é melhor que a média mundial, estimada em 170 anos. 

Em que pese a desastrosa gestão de Dilma Rousseff, pelo fato de uma mulher ter sido presidente da República, o Brasil subiu no ranking geral, do 85º lugar para a 79ª posição. Porém, a classificação ainda é pior do que há 10 anos, quando o País ocupava a 67ª posição. Atualmente, a Nação está atrás de 17 países latino-americanos. De acordo com o levantamento, as sociedades mais igualitárias são as escandinavas. Levando em conta todos os aspectos econômicos, políticos, de saúde e de educação, o 1º lugar é da Islândia, seguida por Finlândia, Noruega e Suécia.

O Índice Global de Desigualdade de Gênero avalia desde 2006 o progresso das nações na promoção de equilíbrio entre homens e mulheres. Na elaboração do ranking, são consideradas estatísticas que avaliam as condições enfrentadas pela população feminina nas áreas de educação, saúde, paridade econômica e participação política.

As brasileiras estão bem situadas em relação ao público masculino nos dois primeiros quesitos – educação e saúde. Para cada estudante homem do ensino superior brasileiro, elas ocupam 1,3 vaga. Na saúde, as brasileiras também têm melhores indicadores: vivem em média cinco anos a mais que os brasileiros. A expectativa de vida feminina é de 68 anos, contra os 63 anos da população masculina.

Porém, a disparidade econômica entre homens e mulheres é um dos fatores que mais impede o avanço nacional no ranking. Nesse aspecto, o Brasil ocupa a modesta 91ª posição entre 144 países e é fragorosamente superado por China, Camboja, Chade e até o Paraguai, entre outros.

Em sã consciência, não dá para entender por que duas pessoas que têm a mesma formação, ocupam igual função e desenvolvem atividades idênticas recebem salários tão diferentes, exclusivamente por causa do gênero. Fato é que o degrau salarial entre homens e mulheres em cargos executivos no Brasil supera 50%, uma realidade nacional só detectada em outros cinco países do mundo. O salário médio de uma brasileira com nível superior equivale a 62% da renda mensal de homens com a mesma escolaridade.

Para completar, a presença de brasileiras no mercado de trabalho é menor. Corresponde a 62%, enquanto a dos homens atinge 83%. Por esse critério, o Brasil fica na 87ª posição mundial. A renda média das brasileiras é de 11,6 mil dólares por ano, pouco mais da metade daquela obtida pelos homens, que é de 20 mil dólares.

Na política, a representatividade feminina é ínfima, apesar de existirem dispositivos legais para garantir a participação das mulheres nos embates eleitorais. O Congresso Nacional ocupa o 120º lugar entre os países com melhor representação feminina. A falta de lideranças femininas nos altos escalões do poder se reflete também na composição ministerial do atual governo de Michel Temer.

Especialistas apontam que a reversão da disparidade econômica abissal entre homens e mulheres no Brasil passa pela adoção de estratégias pragmáticas que promovam a inclusão das mulheres no mercado de trabalho bem remunerado e na política. Já existem mais mulheres do que homens se graduando nas universidades. Não é preciso ser estudioso da matéria para concluir que discriminá-las é um desperdício brutal de talento. E prejuízo direto para a Nação. 

A efetiva inclusão das mulheres no mercado de trabalho, com remuneração compatível com sua formação, passa também pela oferta de educação infantil de qualidade e em número suficiente. Como a mãe vai trabalhar se não consegue vaga em creche para o filho? Nas camadas mais altas, ela paga uma babá. Mas, e nas de menor renda? O poder público precisa oferecer o serviço. Em Mogi das Cruzes, o atendimento em creches já supera mais da metade da população infantil com até 3 anos. Porém, no País, o benefício não chega a 30% da demanda.

Ao mesmo tempo, é vital combater a cultura machista. Lugar de mulher é onde ela quiser. Quem tem filhos pequenos, precisa ensinar já que meninos e meninas têm de ajudar em casa. Não tem essa de que tal coisa é tarefa de mulher. Assim, ajudamos a formar homens melhores que respeitem a diversidade e contribuam com uma sociedade menos desigual. 

Comparando o cenário atual com décadas atrás, é possível notar que a sociedade brasileira vem reduzindo a disparidade entre homens e mulheres. A paridade de gêneros é o caminho natural da evolução. O que precisamos fazer é acelerar esse processo. 

Entendo que a educação e a religiosidade – qualquer que seja o credo – são fundamentais na construção da ponte no abismo das diferenças. Contudo, vale admitir que os avanços conquistados até hoje são resultado da persistência e do próprio trabalho incessante das mulheres brasileiras. São elas as grandes agentes da transformação para o bem. Só confirmam o que já disse sobre a necessidade de combater o desperdício de talentos tão latentes na população feminina.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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