quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Legado dos Jogos Olímpicos

Foram duas semanas de emoção intensa e diversificada. Torcemos demais, rimos, choramos de alegria com as conquistas, sofremos com as derrotas, nos surpreendemos com feitos extraordinários, nos indignamos com a farsa ultrajante do arremedo de atleta ianque, nos solidarizamos com gente desconhecida que arrebatou espaço em nossos corações, festejamos velhos conhecidos que justificaram sua fama e nos orgulhamos, muito mesmo, dos espetáculos produzidos pelo Brasil para deleite de 4 bilhões de pessoas. Com talento natural, dinheiro minguado, muita criatividade e o trabalho descomunal de voluntários. Acabaram os Jogos Olímpicos Rio-2016. O que fica?

Mais do que memórias maravilhosas e as medalhas arrebanhadas – incluindo as inéditas em nossa história–, as Olimpíadas deixam um legado fabuloso. Resta-nos saber aproveitá-lo. Como humanos, cidadãos e como Nação. Os Jogos, em si, são fonte de conhecimento. Proporcionam a oportunidade de conhecer esportes que a maioria das pessoas nunca havia visto, diferente de outros mundiais que focam uma modalidade esportiva. Porém, o que marcam são as histórias.

Falo da judoca Rafaela Silva que faturou o primeiro ouro brasileiro nos Jogos. Menina pobre da Cidade de Deus que, não fosse o esporte, poderia ter um destino triste, similar ao de seus amigos presos por tráfico de drogas ou mortos em confrontos com a polícia. Ou do pugilista baiano Robson Conceição, também dourado, que usa seu talento para ensinar crianças carentes da sua comunidade. Ou ainda de Thiago Braz e seu salto de ouro, à frente do drama de ter sido abandonado pela mãe ainda criança e criado pelos avós.

O que dizer, então, de outro menino pobre, também baiano, que quase morreu por queimaduras, foi sequestrado e resgatado, perdeu um rim na traquinagem e levou a canoagem brasileira a um nível nunca imaginado? Isaquias Queiroz, vencedor de três medalhas, quase não chega onde chegou. Tinha de ajudar no sustento da casa e teria largado o esporte, se não fosse a contribuição financeira de gente que acreditou nele. Outro herói improvável é o ex-pedreiro e ex-garçom que deu ao Brasil o bronze inédito no taekwondo, categoria acima de 80 kg: Maicon Siqueira, o mineiro raçudo. 

Todos eles encontraram no esporte o caminho da superação. Das dificuldades, das limitações, dos próprios sonhos. Pinço ainda o exemplo de Serginho, o maior líbero de todos os tempos e, aos 40 anos, um guardião do time de ouro do vôlei masculino. Foi o menino pobre que levou uma nova linguagem ao então esporte de elite. Ele vendia geladinho em campos de várzea, chorou por falta de dinheiro, mas manteve o foco e a fé, sem nunca deixar de valorizar as origens e resguardar sua simplicidade. Comprou a casa prometida à mãe. Também optou por bancar uma cozinha planejada para ela em vez de um carro para si mesmo. Eis uma bela lição de amor à família, de gratidão aos pais. Assim foi com outros medalhistas que galgaram espaço no pódio com incomensurável dedicação. “Caí de bunda, caí de cara e, na terceira Olimpíada, eu caí de pé”, resumiu o ginasta da prata Diego Hypolito. Muitos mais acalentaram nossa alma verde e amarela.

Extasiados, assistimos às façanhas do lendário e carismático Usain Bolt, o raio da pequena e pobre Jamaica, a saga de Michael Phelps nas piscinas, os movimentos precisos da espetacular Simone Biles na ginástica. Vimos também que, acima das competições, deve prevalecer a natureza humana. E ela tem de ser boa. Foi assim que a neozelandesa Nikki Hamblin parou para socorrer a americana Abbey D’Agostino, vítima de acidente durante a corrida de 5 mil metros. Eis a vitória do companheirismo, da amizade, do desprendimento e amor que o esporte também ensina.

O apelo à paz mundial foi protagonizado pelo abraço fraternal entre o britânico Andy Murray e o argentino Juan Martín Del Potro na final de tênis. Enquanto as torcidas disparavam ofensas mútuas em alusão à guerra entre os dois países, em 1982, pela posse oficial das Ilhas Malvinas, os tenistas choravam, abraçados, por longo período, ao final da exaustiva peleja. Murray ficou com o ouro. Mas, isso era menos importante que o recado. 

Entendo que é de todos a luta contra as desigualdades e intolerâncias de toda ordem. Ocorre que o esporte tem o condão de imprimir essa marca na alma humana. Apesar de todas as mazelas que ainda estão dissipadas no mundo e, no Brasil, em especial, a tocha olímpica deixou um rastro de esperança. Ao passar a bola para Tóquio, particularmente para as mãos do meu xará, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, a Nação brasileira tem motivos para cultivar novos sonhos.

Penso em muito mais que medalhas. Gostaria que as histórias de superação dos nossos atletas servissem para inspirar outros brasileirinhos. E para mover governantes a investir, de fato, na oferta de esportes às crianças e adolescentes. Não é só uma questão de pódio nem de evolução no desempenho olímpico. No campo do desenvolvimento humano e social, o esporte se apresenta como ferramenta indispensável à promoção da cidadania. É ainda uma poderosa vacina contra os males da ociosidade que favorecem a escalada da violência. 

Não falo só do esporte competitivo. Mas sim, do esporte associado ao lazer, de modo abrangente e acessível. Por décadas a fio, a maioria dos municípios deu pouca importância a essas atividades. Inclusive Mogi das Cruzes que, até o ano 2000, envolvia menos de 10 mil mogianos num único projeto municipal da área. 

Com o propósito de reverter esse quadro, assumimos a Prefeitura em 2001, lançando os primeiros programas da série para estimular práticas desportivas e oferecer lazer. Em 2008, quando deixamos o cargo, os dez principais projetos esportivos – sem incluir os de recreação – registravam média anual superior a 130 mil atendimentos. Foram moldados para beneficiar pessoas de todas as idades. 

É o caso do Esporte Mogi, desenvolvido em parceria com a iniciativa privada, para levar atividades esportivas, noções de ética e cidadania às crianças de bairros carentes da Cidade. Com total receptividade popular, o projeto realizava nada menos que 5,5 mil atendimentos por ano. Ou ainda do “Sanção Premial”, que garante isenção do IPTU para clubes que oferecem práticas esportivas e recreativas gratuitas a alunos das escolas municipais. Já revelou talentos para o esporte profissional até em outros países.

As revelações do esporte mogiano personificam a evolução do processo que regeu a política municipal adotada para o setor. Todas as ações foram focadas no social. Ou seja, associar prática de esportes e lazer para proporcionar ocupação saudável à população, com prioridade para crianças e adolescentes carentes – combatendo a ociosidade que facilita a rota da violência e das drogas – e para Terceira Idade. Sintetiza a filosofia definida junto com o povo, no PGP – Plano de Governo Participativo. 

Mantidas pelo meu sucessor, Marco Bertaiolli (PSD), as aulas de esportes – de iniciação à formação de atletas – são ministradas nos centros esportivos, em clubes privados e escolas municipais, reforçadas pelo período integral. Há dezenas de modalidades – de futebol a badmington, passando por rugby, xadrez, judô, taekwondo, ginástica artística e atividades para Terceira Idade. Sem contar a recreação. Muita recreação.

O lazer é a mola mestra de um dos mais bem-sucedidos projetos de todos os tempos. A Rua Feliz tem 13 anos de existência – 5,5 anos deles em nossas duas gestões como prefeito, agregando mais de 450 mil atendimentos. Percorre a Cidade nos finais de semana, levando brinquedos, atrações musicais e atividades esportivas. 

"Que venha Tóquio, Shinzo Abe! Que venham
dias sempre melhores, Brasil!"
O povo conhece bem o poder dessas ferramentas. Guardadas as proporções, orquestram magia semelhante à dos tempos de Olimpíadas, que vestem os corações brasileiros de verde e amarelo e criam uma linguagem única, capaz de nivelar desigualdades em nome da vitória. 

Envolvida com esportes e lazer, a comunidade exercita a cidadania e cultiva a integração social. Corpo em dia e mente sã em nome de bens maiores, como mais qualidade de vida e menos violência. Nesse campeonato, se joga todo dia. Os craques são os participantes dos projetos. Nada de mitos. Há gente comum cumprindo seu papel. E isso faz toda a diferença na estrada onde a única derrota é a desistência. Que venha Tóquio, Shinzo Abe! Que venham dias sempre melhores, Brasil!

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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