terça-feira, 21 de junho de 2016

Novos desafios

Aos 75 anos de idade, com mais de meio século dedicado à vida pública – desde organizações classistas à política partidária – tomei uma das decisões mais difíceis da minha existência. Decidi que não vou disputar as próximas eleições municipais. Retirei meu nome do quadro de pré-candidatos a prefeito de Mogi das Cruzes, colocando-me como mais um soldado do meu partido, o PSD (Partido Social Democrático), a quem cabe definir os rumos da legenda na disputa eleitoral.

Embora delicada, dolorosa e complexa para mim, a decisão a que cheguei é fruto de um raciocínio simples. Porém, carregado de sentimentos. Calcados em denúncias infundadas, os ataques dantescos desferidos contra mim ensaiam o tom que terá a campanha eleitoral que se aproxima, caso eu me mantenha na disputa. Não será um debate de ideias, com propostas para melhorar a vida da população mogiana. Ao contrário, tudo girará em torno da desconstrução. De imagem, de realizações, de ideais e de sonhos. A população de Mogi das Cruzes não merece o show de horrores que se delineia. Pior, não merece que seu futuro seja tratado com tanto desprezo, baixeza de espírito e vácuo de caráter. 

Imaginem como seriam os 45 dias de campanha. De um lado, ataques vis de toda parte, antecipando condenações que simplesmente não existem. De outro, eu explicando que nunca sofri condenação consumada, nunca agi de maneira a prejudicar a população e nem os cofres públicos e muito menos enriqueci às custas do dinheiro público. Os processos a que respondo são denúncias improcedentes que a Justiça ainda não julgou. 

Para piorar, muitos acreditarão nos boatos torpes de que sou ficha suja e inelegível. É tudo mentira deslavada. Não existe decisão judicial que me inclua na categoria de alguém que tenha violado a Lei da Ficha Limpa. Não sofri qualquer condenação na Justiça que se enquadre no conceito de ficha suja. Atribuir a mim tal imputação é algo absolutamente errado e leviano. Mantenho a ficha limpa e sou livre para disputar eleições. “O deferimento do registro do recorrente é medida que se impõe, devendo ser afastada a inelegibilidade”, manifestou-se a ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luciana Lóssio, em relação ao meu direito de concorrer a deputado federal em 2014, desfazendo um entendimento equivocado do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

Não receio ataques nem xingamentos. Isso não me aterroriza. Não a mim que passei a infância sendo chamado de “olhos rasgados” e sofrendo bullying na escola (na época, o conceito nem existia) por usar roupas feitas pela mamãe com sacos de algodão, porque faltava dinheiro para o uniforme convencional. Não intimida a mim que, durante campanhas eleitorais, sofri discriminação racial por causa dos meus traços orientais e preconceito social por ser um agricultor. Portanto, não são acusações infundadas nem o factoide da inelegibilidade que me levam a tomar a presente decisão.

O que me move, acima de tudo, é a minha Mogi das Cruzes. Na vida, há situações administráveis; outras, toleráveis. Mas, passar a campanha eleitoral num infindável bate-boca improdutivo e natimorto de propostas é algo impensável para alguém como eu. Me recuso a ceder ao egoísmo de lutar pelo meu próprio desejo enquanto o povo mogiano fica relegado ao último plano. Me lembro das noites frias de junho de 2000, quando percorremos os bairros promovendo um verdadeiro mutirão popular para detectar os anseios da população, coletar ideias e alinhar propostas para dar origem ao que seria o PGP – Plano de Governo Participativo. Em outro ponto, especialistas voluntários das mais diversas áreas do conhecimento humano estudavam os projetos. Tudo o que era viável ou possível entrou no documento final – colocado em prática a partir da nossa primeira gestão, em 2001 – que, por sua vez, virou o embrião do primeiro Plano Diretor da história da Cidade.

Enquanto refletia sobre os rumos das eleições, me lembrei daquelas reuniões populares. O povo semeou a rede de prós para atendimento médico especializado que viríamos a concretizar como prefeito: Pró-Mulher, Pró-Criança, Pró-Hiper (para a terceira idade) e Promeg (Programa de Medicamentos Gratuitos). Até o Pró-Parto, alvo de acusação infundada que levou ao bloqueio dos meus bens, surgiu exatamente para aliviar a Santa Casa que sofria com a alta demanda e amargava sucessivos casos de mortes de recém-nascidos. 

Levantamento da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) mostra que a mortalidade infantil em Mogi das Cruzes caiu 47% em 2008, quando funcionavam a rede de prós, em relação a 2000. Naquele ano, a Cidade tinha um índice de 21,5 mortes para cada mil bebês nascidos vivos. Em 2008, de cada mil bebês, 11,3 não sobreviviam até o primeiro ano de vida. 

Também é relevante citar os gigantescos investimentos em de saneamento básico com as construções das Estações de Tratamento de Água (Av. João XXIII) e Esgoto (ao lado do Parque Centenário). Ao iniciarmos a administração, em 2001, a Cidade tratava parcos 0,5% dos esgotos coletados. Ao fim das nossas duas gestões, o índice de tratamento dos efluentes recolhidos já tinha atingido 43%. São benefícios para melhoria da qualidade de vida. 

De quebra, azeitamos as relações com outras esferas de governo, como o Estado, para viabilizar a duplicação da Mogi-Dutra e a ampliação do Hospital Luzia de Pinho Melo, entre outras realizações. Porém, isso também não serve de parâmetro. Vale mais a acusação improcedente. Tudo o que é alegado na denúncia não está comprovado nos autos por perícia, auditoria e demais instrumentos factíveis para avaliação. A comparação é ainda pior. É de má fé mesmo. Compara o preço de uma única refeição com o valor total da alimentação de um dia inteiro, fornecida para a mãe e para o acompanhante. Isso dá, no mínimo, oito refeições, além do que era oferecido aos recém-nascidos que rejeitavam o leite materno, da estrutura do serviço, como mão de obra, utensílios domésticos, mamadeiras etc., e da supervisão de uma nutricionista. 

As pessoas estão saturadas da classe política. Com razão. Ao sofrer ataques, seria forçado a usar o tempo para me defender das falsas acusações. Nada de propostas. Só um festival de vilanias. Nem vou dizer do sofrimento voraz impingido à minha esposa Elza, aos meus filhos, netos e amigos, assim como às pessoas que nos conhecem, admiram e manifestam apoio ao projeto político que havíamos traçado. A todos, peço compreensão! Porém, não vou compactuar com a virulência de maus adversários contra pessoas de bem.

Lembro-me das mães que acampavam em frente às escolas em 2000, em busca de vagas para os filhos. Elas orquestraram a revolução que se processaria na educação, com a construção de prédios e reforma dos existentes para ampliar em mais de 70% o número de vagas, a modernização plena da rede escolar com recursos multimídia e espaços poliesportivos, a instalação de 43 creches (eram só 32), a criação do inédito Pró-Escolar para portadores de necessidades educacionais especiais, o mais completo Centro Municipal de Formação Pedagógica (Cemforpe) e o primeiro Centro de Programas Educacionais (Cempre) Dra. Ruth Cardoso para que meu sucessor iniciasse o período integral. 

Com uma equipe dedicada, implantamos o conceito de gestão descentralizada, integrada e participativa. Com autonomia, planejamento criterioso, esforços conjugados e participação popular, os setores da Prefeitura garantiram maior agilidade e eficiência à administração. Para bancar investimentos nas mais diversas áreas, pusemos em prática a política municipal de desenvolvimento e alavancamos a arrecadação municipal. Alguns resultados: 8,2 mil novos empreendimentos com 115 mil empregos diretos e indiretos, Centro de Iniciação Profissional reformulado para atender 18 mil alunos por ano em mais de 60 cursos gratuitos (e não apenas dois como era), Banco do Povo e outras ações. 

Muitos não se lembram. Outros nunca souberam dos avanços consolidados em nossas gestões. Há ainda os que, propositalmente, distorcem tudo. Fato é que, sob nossa administração, Mogi das Cruzes despontou entre as 100 cidades mais dinâmicas do Brasil, uma das mais bem administradas do País, uma das mais promissoras para trabalhar e uma das melhores do Estado para morar, segundo estudos de renomados institutos nacionais divulgados na mídia. Por cinco vezes, recebemos do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo (Sebrae-SP) o título de “Prefeito Empreendedor”. Não por menos, encerramos o segundo mandato, em 2008, com pesquisas apontando 86% de aprovação popular.

Falo do legado deixado para minha Mogi das Cruzes, onde nasci, vivo, criei meus filhos e brinco com meus netos. Falo da população que nos ajudou a reinserir Mogi no mapa nacional do desenvolvimento. Falo de gente simples que me inspirou a produzir melhorias todos os dias no comando da Prefeitura. É por essas pessoas que os sinos dobram. É por elas que recuo na intenção de candidatura. 

Quem sabe, minha saída esgote o combustível para a sordidez de uma campanha infrutífera. Quem sabe, sem a minha presença na disputa, os concorrentes se dediquem à imprescindível plataforma eleitoral de apresentar propostas positivas para elevar a qualidade de vida na Cidade. Quem sabe, seja, enfim, uma disputa entre quem tem o melhor plano para manter Mogi na rota do desenvolvimento, na multiplicação de avanços em todas as áreas e, principalmente, para responder aos anseios da população mogiana. 

"Como cidadão, estou otimista de que faço o melhor para Mogi das Cruzes. É da minha natureza vislumbrar dias melhores. É da minha alma, almejar novos desafios." 
Como político, estou entristecido. Como ser humano, estou resignado. Como cristão, estou agradecido porque acredito que Deus atendeu minhas preces, iluminando minha decisão. Como cidadão, estou otimista de que faço o melhor para Mogi das Cruzes. Não é o fim. Longe de mim a aposentadoria. É apenas um intervalo, um suspiro, para seguir em frente. É da minha natureza vislumbrar dias melhores. É da minha alma, almejar novos desafios. Muito obrigado! 

Junji Abe é líder rural, foi vereador, deputado estadual, prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008) pelo PSDB e deputado federal pelo PSD-SP

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Gênero de 1ª necessidade

Poucas décadas atrás, a cultura era tratada como artigo de luxo. Portanto, supérflua para o povo. Não havia a menor preocupação em proporcionar opções gratuitas de eventos culturais, esportivos e de lazer. Menos ainda de oferecer atividades que desenvolvessem o gosto pelas manifestações artísticas. As ações públicas concentravam-se em obras. De preferência, as grandes, com alta visibilidade.

Essa visão tacanha de que as pessoas não precisam de cultura, nem de esportes e muito menos de lazer é a causa de um bocado dos males que tanto afligem a sociedade atual. É claro que a culpa maior é da má distribuição de renda, associada aos esforços deficitários para viabilizar educação pública de qualidade. 

O pouco caso com áreas essenciais ao bem-estar físico e mental do ser humano tem muito a ver com o alto nível de agressividade que as pessoas carregam. Basta olhar o comportamento dos motoristas no trânsito. Na sociedade moderna, onde a pressão por causa do emprego ou pela falta dele está na veia de todo cidadão comum, as atividades culturais, artísticas, esportes e lazer são imprescindíveis. A maioria da população não pode pagar por eles. Então, cabe ao poder público oferecer opções gratuitas. E para todas as idades.

É inegável que são bem mais tranquilas e disciplinadas as crianças que tocam um instrumento musical, participam de um grupo de teatro, enfim, têm acesso aos bens culturais ou praticam algum esporte. Com certeza, serão adultos mais sensíveis, equilibrados, produtivos, menos propensos a ataques de raiva e problemas de saúde. Serão bem mais saudáveis.

Igualmente, os adultos também precisam ter a chance de participar de manifestações culturais e artísticas ou de, pelo menos, apreciá-las. Ou de praticar esportes. Ou de, no mínimo, contar com um parque público onde possam ir com a família no fim de semana, fazer um piquenique, ter momentos de descontração. Para a terceira idade, então, é vital ter acesso a atividades que permitam a socialização e tirem da cabeça do idoso a terrível sensação de ser um peso para alguém. São iniciativas que fazem bem ao corpo e à mente.

Outra bobagem sem tamanho é achar que o povo não gosta de arte. Gosta sim. Só precisa conhecer. Ninguém pode gostar do que não conhece. Senão, fica que nem o caviar na música do Zeca Pagodinho: “Nunca vi nem comi; eu só ouço falar”. 

Quando se fala em cultura e artes não pode haver preconceitos. Nem da sociedade; muito menos do poder público. Ao longo dos oito anos como prefeito de Mogi das Cruzes, notamos o interesse dos adolescentes por rap, hip hop e dança de rua (a street dance dos americanos). Resolvemos criar oficinas culturais dessas modalidades. Muita gente criticou dizendo que eram ritmos da marginalidade. Ora, que sandice! É tão arte quanto música erudita e balé clássico. No caso, era mais. Era o que os jovens queriam. 

A iniciativa foi um sucesso. Em vez de gastar o tempo ocioso nas ruas, a meninada ia, entusiasmada, para as oficinas. Em eventos, os grupos arrancavam aplausos de quem antes criticava. A arte é plural. Aliás, na campanha à reeleição, em 2004, fui presenteado com um jingle no estilo rap e coreografia de dança de rua. Fizemos um videoclipe, exibimos nos programas de tevê e todo mundo adorou. 

Igualmente, enfrentamos muita ironia e descrédito para criar a Orquestra Sinfônica Jovem Minha Terra Mogi com crianças pobres da Cidade. Bem, os queixos caíram no primeiro concerto. Meninos e meninas humildes, com violinos, violoncelos, piano e tudo mais, paralisaram a plateia durante a execução de uma série de músicas clássicas. 

Nossa meta era proporcionar ocupação saudável para crianças e adolescentes. Dentro deste propósito, idealizamos uma Sala de Música sem igual na Região, com estrutura e acústica integralmente planejadas para a finalidade. O projeto foi realizado na Escola Municipal Professor Mario Portes, em Jundiapeba. É onde vive a maior parcela da população carente de Mogi. Ouvi uma porção de comentários maldosos. Para se ter ideia, diziam que o local seria destruído em menos de uma semana e outros absurdos típicos de gente preconceituosa. 

Aos humanos de pouca fé, mais um show de cidadania. Ali, naquele espaço, os alunos aprenderam, ensaiaram e constituíram a Banda Sinfônica que coleciona prêmios em competições no Estado. Sim, tanto a Sala de Música como a própria escola são muito bem cuidadas. Há canteiros floridos, paredes intactas, nenhuma sujeira no chão e tudo mais que caracteriza o território de cidadãos de verdade. Para completar, o atual prefeito Marco Bertaiolli transformou esta e outras 135 escolas em unidades de período integral. Em parceria com associações de moradores, também implantamos dezenas de bibliotecas comunitárias difundindo nos bairros a oportunidade de leitura. 

É uma minúscula amostra de tantas outras ações públicas que difundem a cultura, promovem a cidadania e evitam que os menores fiquem nas ruas, à mercê das teias da criminalidade e das drogas. Houve muitos outros bem-sucedidos programas públicos para todas as idades, seguindo o raciocínio de que é indispensável a oferta gratuita de atividades culturais, artísticas, esportivas e de lazer à população. 

Recentemente, fiquei emocionado ao reencontrar o professor Kleber Felipe. Ele ingressou no mundo da música quando tinha 10 anos de idade, fazendo parte do Coral Municipal Canarinhos do Itapety, que criamos quando fui prefeito. Hoje, ensina outras crianças e adolescentes, vivendo da arte. Nosso reencontro ocorreu no Centro Municipal de Formação Pedagógica (Cemforpe), durante a belíssima homenagem ao Dia das Mães, proporcionada pelas Orquestra Sinfônica Jovem de Mogi das Cruzes, sob a regência do maestro Lélis Gerson, Orquestra Sinfônica mogiana, Orquestra Sinfônica Jovem Minha Terra Mogi, Camerata de Cordas, Banda Boigy e Quarteto de Cordas. Todas evoluíram de projetos que implantamos ao longo das duas gestões à frente da Prefeitura. 
"Acho que minha expressão fala por si sobre o quanto fico emocionado
ao ver as apresentações dos nossos grupos musicais e orquestras"
  
A atual administração investiu e ampliou muito as iniciativas culturais, multiplicando também o público das manifestações artísticas. Pinço como exemplo a Virada Cultural Paulista, realizada em Mogi das Cruzes no mês passado. Foi a maior do Estado de São Paulo, reunindo mais de 40 mil pessoas nas 82 apresentações em oito locais estratégicos. A existência da Secretaria Municipal de Cultura tem papel primordial no processo de amparar todos os segmentos culturais. Seja quem for o governante, está impedido de retroceder. Veja o caso do presidente interino Michel Temer que tentou fazer a grande bobagem de acabar com o Ministério da Cultura. Voltou atrás. Felizmente. 

Ainda há muito por fazer para garantir amplo acesso do povo à cultura e às artes. Mas, quando há vontade política em sintonia com os anseios da população, o poder público desenvolve iniciativas de valor inestimável para a sociedade do presente e do futuro. É provável que ações desenvolvidas pela Municipalidade sejam inúteis para quem assiste à miséria de binóculos e se compraz em esbanjar a retórica elitista. Mas, com certeza, são reconhecidas pelas milhares de crianças beneficiadas, por suas famílias, por gente como o professor Kleber. Ou ainda por Márcio Pial, um dos muitos integrantes do hip-hop – discriminado e restrito aos guetos da Cidade até a Prefeitura abrir espaço para o movimento. Hoje, ele é celebridade, ao lado de outros tantos artistas, das mais variadas vertentes, que fazem de Mogi das Cruzes um incomparável polo produtor e irradiador de talentos. 
Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Cidadãos do futuro

Pouco mais de 50 anos atrás, não se ouviam no País vozes de autoridades públicas alardeando políticas de preservação da natureza e proteção ambiental. Em meio à então, quase inexistente, sociedade civil organizada, havia defensores do desenvolvimento sustentável, apregoando a imperiosa necessidade de coexistência harmoniosa entre ser humano e meio ambiente. De forma geral, porém, essas manifestações não encontravam ressonância no poder público nem no alicerce básico de formação humana, que é a educação escolar e familiar. No passado, não havia disciplinas curriculares nem a mínima preocupação nos lares com questões cruciais sobre o tema.

Em que pese a herança maldita do descaso, os conceitos foram revistos e a natureza deixou de ser apenas paisagem bucólica em propaganda de iogurte. Todos sabem, com maior ou menor abrangência, das obrigações para com a preservação ambiental. Na semana que acolheu o Dia Mundial do Meio Ambiente (5), chamo atenção para alguns avanços registrados em Mogi das Cruzes porque, embora tímidos perto das necessidades, são importantes.

Amparados na participação popular, enquanto prefeito, terceirizamos a limpeza pública, pontapé inicial para ações que permitiram desativar o Lixão da Volta Fria, implantar a coleta seletiva de lixo, buscar tecnologias limpas voltadas à disposição final de resíduos e ter uma usina de triagem onde atuam antigos catadores. 

Ao mesmo tempo, atuamos para combater ocupações irregulares de várzeas, recuperar áreas degradadas e, entre outras ações, investimos em saneamento básico registrando a expressiva redução do despejo de esgotos in natura nos cursos d’água. O percentual de resíduos tratados subiu de 0,5%, em 2001, para 43%, em 2008, quando deixamos o cargo e projetos em andamento para que nosso sucessor, o prefeito Marco Aurélio Bertaiolli (PSD), desse sequência ao processo. A Prefeitura estima que encerrará 2016 tratando mais de 70% dos esgotos coletados. 

De tantas medidas com foco em preservação ambiental, a que mais me dá orgulho é a que possibilita a geração de cidadãos conscientes do seu papel no planeta. Dentro do conceito elementar de que o conhecimento é a chave-mestra para atingir qualquer meta, consolidamos a educação ambiental na rede de ensino. Para preservar é preciso conhecer, porque ninguém cuida daquilo que desconhece. A Escola Ambiental de Mogi das Cruzes, implantada em 2006, surgiu para responder às demandas de qualificar educadores e orientar os alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Não tardou para que o empreendimento, considerado referência nacional, se tornasse conhecido mundialmente pela proposta arrojada de ser um centro de pesquisas e formação de professores, além de garantir orientação ambiental às crianças. Tem o objetivo primordial de socializar e aprimorar o ensino sobre meio ambiente e recursos naturais, incluindo lições relativas ao assunto também em outras disciplinas da grade curricular. 

A inserção da educação ambiental no conteúdo disciplinar da rede municipal foi pautada pela premissa de desenvolver a consciência ambiental com atitudes cotidianas, aproximando os aprendizes da realidade local. Afinal, a Cidade é cortada pelo histórico Rio Tietê e abriga, em sua porção Norte, a Serra do Itapeti, um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica do Brasil. Também é polo produtor de água em função dos vastos mananciais. Isto, para dizer o mínimo. Sem contar, por exemplo, a necessidade de ampliar a adesão popular à coleta seletiva de lixo que já havíamos implantado. 

 "Inserção da educação ambiental no conteúdo disciplinar da rede
municipal foi pautada pela premissa de desenvolver
 a consciência ambiental com atitudes cotidianas"
A meta, seguida à risca até hoje, é conduzir o aluno por uma trilha de conhecimento onde ele próprio deseje mudar de comportamento para preservar os recursos naturais. E ao mesmo tempo, passe a cobrar posturas adequadas daqueles com quem convive. Educar para preservar o meio ambiente é uma missão árdua. A Escola Ambiental proveu o preparo adequado dos profissionais e o incentivo de que precisavam para pesquisar métodos cada vez mais eficientes. 

Bem equipada e com estrutura funcional, a Escola Ambiental abriga laboratório, videoteca, biblioteca multimídia, viveiro de mudas, salas de estudo e de reuniões, e dependências administrativas. Docentes de todo o Brasil procuram a instituição para conhecer a experiência inédita em educação ambiental. Graças à dedicação dos educadores mogianos, as escolas, em todos os níveis de formação, atuam em sintonia, regidas pelo propósito de formar adultos conscientes e ativos na preservação ambiental. 

Aí está, portanto, um exemplo cristalino da importância de políticas públicas direcionadas ao ensino de qualidade sob uma ótica abrangente, apto formar cidadãos proativos em relação aos desafios do desenvolvimento sustentável e capazes de ver a realidade, compreendê-la, criticá-la, proteger as conquistas e trabalhar com o intuito de resguardar o bem-estar coletivo. Foram lançadas as bases da evolução da sociedade. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Rastro dos explosivos

O caso mais recente ocorreu no Terminal Central, em 1º de junho. Seis dias antes, em César de Souza. Ao longo de abril, em Taiaçupeba e Jundiapeba. Em menos de dois meses, no mínimo quatro pontos de Mogi das Cruzes sofreram explosões causadas por assaltantes para levar o dinheiro de caixas eletrônicos. Dos efeitos da marginalidade, restaram estragos em propriedades públicas e privadas, o aumento do temor dos moradores quanto à violência e prejuízos diretos aos usuários das máquinas, além do receio da desativação dos serviços pelas instituições financeiras atingidas. 

Evidente que a violência, sob todas as formas e dimensões, campeia a sociedade. Mas, há instrumentos para, pelo menos, inibir determinadas práticas criminosas. Ocorre que não são usados porque estão no bolo das ações preventivas, sempre relegadas ao segundo plano no País. Esta conhecida negligência só amplia a condição de refém do terror, a que foi subjugado o cidadão de bem. 

Pincei o caso dos caixas eletrônicos porque me lembrei de um trabalho desenvolvido na Câmara Federal, enquanto deputado. Abrangia medidas aparentemente simples e sem custos aos cofres públicos que, no entanto, poderiam trazer bons resultados. O ponto central era o rastreamento de explosivos constante de dois projetos de Lei (3667/2012 e 4512/2012, apensado ao primeiro), apresentados em 2012. Designado relator da matéria na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) da Casa, estudei o assunto. 

Sabia que nenhuma lei determina regras de rastreamento para os explosivos? O sabonete que você usa, assim como a latinha de sardinha e outros tantos artigos industriais são rastreados desde a origem, a partir de informações disponíveis nas embalagens. Porém, o material usado por criminosos para explodir um caixa eletrônico, por exemplo, não é obrigado a ter procedência. Esta falta de informações compromete a maioria das investigações policiais sobre as ocorrências.

Em novembro daquele ano, dei parecer favorável aos projetos, elaborando um substitutivo para agregar as duas propostas. O texto tornava obrigatória a identificação do fabricante de explosivos, do tipo de produto e da cadeia comercial até o consumidor final, estabelecendo que os dados inseridos permanecessem intactos após a detonação do material e impondo multas aos infratores. A marcação poderia ser efetuada por processos químicos que possibilitassem conhecer o lote do explosivo e, consequentemente, seu comprador. As regras também valeriam para artigos importados.

Além de facilitar a investigação policial, as medidas propostas para rastrear explosivos ajudariam a elucidar roubos desses produtos em pedreiras, empresas de mineração e outras. Também possibilitaria a responsabilização pela guarda do material, combatendo a utilização indevida. O crescente uso de explosivos em atos criminosos confirma a existência de falhas no controle da comercialização e depósito do material.

Na legislação proposta, se ficasse caracterizado descuido na guarda ou no transporte do produto, o comprador poderia responder subsidiariamente pelos danos causados aos bens públicos ou privados ou pelos danos à integridade física de uma pessoa que viesse a se ferir durante ação criminosa. O principal avanço legal extrapolaria a mera apuração da cadeia de comercialização do produto para viabilizar o rastreamento de quem compra. E, junto com ele, eventual responsabilização civil e criminal.

A ameaça de responder judicialmente pela utilização indevida dos explosivos levaria toda a cadeia produtiva a redobrar cuidados com o adequado transporte, armazenamento e proteção desse material de alta periculosidade. As empresas responsáveis por atividades que envolvem a manipulação do produto deveriam adotar cuidados extras para mantê-lo longe dos criminosos. 

Acolhido em decisão unânime pela CSPCCO, nosso substitutivo seguiu há três anos, em junho de 2013, para análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Com o aval deste colegiado, seria aprovado sem necessidade de votação no Plenário da Câmara, eliminando uma falha séria na legislação. 
"Temos esperança de que algum parlamentar
reapresente o trabalho levando a ideia adiante"

A legislatura acabou em janeiro de 2015, sem que a proposição houvesse avançado um milímetro. Resultado: como os autores, assim como eu, não foram reeleitos em 2014, foi tudo arquivado, sepultando o trabalho e deixando a sociedade à mercê das explosões de caixas eletrônicos, sem a adoção de uma medida capaz de inibir as ocorrências. Como se vê, o Congresso gera boas propostas que, infelizmente, não viram lei por falta de continuidade. Mesmo assim, temos esperança de que algum parlamentar, consciente da importância e qualidade da iniciativa, reapresente o trabalho levando a ideia adiante, como já ocorreu com outros projetos nossos. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)