sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Bendita concorrência

As duas maiores operadoras em número de clientes de celulares pré-pagos anteciparam o fim do chamado “efeito clube”. Tim e Oi deixaram de cobrar mais caro dos clientes nas chamadas para empresas concorrentes. Contudo, o acesso ao benefício está vinculado à migração para novos planos. Já é alguma coisa, considerando o péssimo – e caríssimo – serviço de telefonia vigente no País.

Desde a popularização da telefonia celular, as teles fazem os usuários pagarem valor maior por minuto nas ligações completadas para empresas concorrentes. A ideia sempre foi incentivar o cliente a chamar números da própria operadora, independentemente do local onde cada um esteja no País. Todas dão descontos nestas chamadas. Criaram, assim, o tal “efeito clube”. Tanto, que conheço gente que anda com quatro chips para trocá-los dependendo da operadora do destinatário. 

Essa prática acabou incorporada à rotina de quem usa celular pré-pago. Na modalidade pós-paga, sempre que um cliente liga para um número concorrente, também desembolsa mais por minuto para bancar os custos pela interconexão entre as redes das empresas. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) determinou a redução gradativa dos valores de interconexão entre as operadoras. Hoje, é de R$ 0,16 por minuto. Em fevereiro do ano que vem, passará a R$ 0,10, e desaparecerá em 2018. Ou seja, o “efeito clube” está com morte anunciada.

A revisão do valor, anunciado pela Anatel, chega com mais de 14 anos de atraso em relação ao que consta na Lei Geral de Telecomunicações. Os brasileiros arcam com as mais altas tarifas de interconexão do planeta. A distorção garante até 40% da receita das operadoras, prática ilegal, severamente punida em outros países e banida nas matrizes das respectivas empresas que aqui atuam. Esse foi um dos motivos que me levaram a insistir na constituição da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Telefonia Móvel na Câmara dos Deputados. Infelizmente, isto não aconteceu até o fim do meu mandato, em janeiro último. 
"O 'efeito clube' está com morte anunciada."
A CPI investigaria as quatro maiores operadoras de telefonia móvel – Vivo, Oi, TIM e Claro – a fim de analisar alegações para elevadas tarifas, cobranças inadequadas, mau atendimento aos usuários que, sequer, recebem explicações, e falhas sistemáticas nas ligações, como quedas e falta de sinal. Também apuraria o que foi arrecadado desde 1997 e se houve investimentos compatíveis. Os péssimos serviços mostram que a conta não fecha.

Duas das quatro grandes operadoras só anteciparam o fim do ônus de interconexão. Não pensem que a medida surgiu da benevolência dos respectivos comandos empresariais. É o reflexo claro da concorrência com aplicativos que possibilitam chamadas de voz pela internet, como o WhatsApp. Por que o usuário pagará por uma ligação que pode fazer de graça, desde que tenha conexão com a rede mundial de computadores? Em especial, num momento em que virou ordem geral a disponibilização livre de redes Wi-Fi em comércios e locais públicos. 

Empresas como a Vivo se manifestam com furor contra o serviço do WhatsApp e aplicativos similares. Evidente que tiram receita das operadoras. Verdade é que as teles já ganharam e continuam abocanhando muito dinheiro dos usuários brasileiros. Ocupando a desonrosa liderança no ranking de reclamações, as operadoras de telefonia móvel agem como querem, sem que a Anatel tome providências. Para prestar um serviço menos eficiente que sinal de fumaça, cobram preço de ouro dos usuários. As tarifas são mais predatórias para quem tem plano pré-pago: os donos de 208 milhões das mais de 280 milhões de linhas de celulares em operação.

Ainda tramita na Câmara um projeto de Lei (4524/2012), de minha autoria, que proíbe valores diferenciados entre as duas modalidades de serviço – pré e pós-pagas. O objetivo é acabar com a lambança de cobrar mais de quem paga antes para usar o celular. Cerca de 74% da população, incluindo os menos favorecidos, brindam operadoras com pagamento antecipado e, mesmo assim, arcam com tarifa, no mínimo, 130% acima da cobrada do cliente de pós-pago. Enquanto faltam regras apropriadas, fiscalização e punições às teles, resta-nos a salutar concorrência. Bendita concorrência! 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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