quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Gosto amargo do pão

Apesar de parecer distante do cotidiano do brasileiro que recebe em reais e não pretende viajar para o exterior, a escalada das cotações do dólar, que engordam a cada dia, influi muito mais do que se imagina na vida do cidadão comum. Na verdade, o gosto amargo da supervalorização da moeda americana frente ao real já será percebida no pão nosso de cada dia. 

O setor de panificação estima que os reajustes de pães e massas, decorrentes das altas do dólar, comecem a dar as caras nos próximos 30 dias, conforme novas encomendas de trigo forem chegando. Mais da metade da farinha de trigo consumida no Brasil é importada e, assim como o frete para trazê-la, tem preço cotado na moeda americana.

Cerca de 45% do preço do pão é referente ao custo da farinha de trigo e frete. Outros alimentos à base de trigo, como biscoitos e massas, têm aproximadamente 60% dos seus custos atrelados ao dólar. Aliás, com a alta nos preços dos combustíveis – diesel e gasolina, a partir deste mês –, todos os produtos que têm o item transportes significativamente representativo aumentarão o peso da carestia sobre o brasileiro, sem contar o gás que movimenta desde as cozinhas domésticas até milhares de indústrias.

"Setor de panificação estima que reajustes de pães e massas,
decorrentes das altas do dólar, comecem a
dar as caras nos próximos 30 dias"
Não é só. A maioria dos fertilizantes e outros insumos utilizados em lavouras, como a do tomate, também vem de fora, com valores na moeda americana. Para completar, há produtos daqui que têm seus preços amarrados com o dólar. É o caso das commodities. Soja, café, açúcar, milho e carne são alguns exemplos. Embora produzidos no Brasil, quando o dólar está mais caro, o produtor prefere exportar. E, claro, cobrará mais caro para manter estes alimentos no mercado interno.

Ao mesmo tempo, sem a concorrência com os itens importados, os similares nacionais também acabam sofrendo reajustes. Na prática, a alta do dólar contribui para puxar a inflação, já em franca trajetória ascendente. Em resumo, quem paga a conta pela economia enfraquecida é o consumidor, que já vem sofrendo com a perda do seu poder de compra por causa das altas de preços. 

Há outro setor extremamente sensível a flutuação do câmbio e que atinge consumidores de todos os perfis: o farmacêutico. Mais de 95% das matérias primas empregadas na produção de medicamentos são importadas de países como China, Índia e Irlanda. 
Projeção do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo) indica que, ao longo do mês, já começarão a minguar os descontos concedidos hoje pelas farmácias na venda de medicamentos, em proporções que variam de acordo com os estoques de varejistas e atacadistas. 

Artigos de higiene e limpeza, além de cosméticos – todos produzidos com componentes químicos importados – estão bem mais caros para o consumidor e deverão subir ainda mais. Já os preços dos medicamentos são controlados pelo governo e reajustados uma vez por ano. Estimativas do setor dão conta de que a alta do dólar deverá encarecer os remédios em cerca de 9% no ano que vem. 

Até lá, as empresas do segmento farmacêutico terão de absorver os custos, podando descontos e demitindo pessoal. Ou seja, mais desemprego no País que já fechou 572.792 vagas formais de trabalho de janeiro a agosto deste ano, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho. 

O panorama reflete a situação de desequilíbrio fiscal vigente no Brasil, com um governo que gasta muito mais do que arrecada – insistindo em aumentar impostos para mandar a fatura aos brasileiros – e não consegue convencer os investidores de que tem uma solução sustentável para o problema num futuro próximo. Oremos pelo pão nosso de cada dia, com sabor que caiba no bolso!

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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