quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Resgate da policultura

As políticas públicas no Brasil são mal definidas e pululam para as mais diversas direções dependendo de quem ocupa a cadeira do poder. Na época em que a produção agrícola sustentava tudo, os governantes cuidavam do setor com zelo, o oposto do que fazem hoje. Preocupavam-se com pesquisas, assistência técnica e extensão rural, enfim, com a formação profissional do agricultor. 

A policultura (cultivo de diversos itens na mesma área) iniciou-se com costumes trazidos pelos imigrantes japoneses, reduzindo as monoculturas da cana, café e algodão. O agricultor precisava sair do plantio concentrado num único produto. Bastava geada, seca ou invasão de pragas para ele perder toda produção. A tragédia seria minimizada se ele tivesse vários tipos de plantações ou criações. 

Ocorre que os governantes sepultaram o modelo de policultura na maior parte do País, focando as culturas de extensão que geram commodities. Assim, deixaram a policultura ir sucumbindo à monocultura, por exemplo, da cana de açúcar – ainda em grave crise –, sem conduzir com competência a utilização do etanol. Proálcool virou piada. De quebra, retiraram dos pequenos produtores qualquer orientação no campo.

Se não tivessem destruído a rede de orientação no campo, cada cidade com vocação agrícola poderia ter lavouras calcadas na policultura, com alta produtividade e rentabilidade. Não haveria milhares de municípios à beira da falência como efeito da derrocada de alguns tipos de cultura de extensão. Poderiam até ter vingado as centrais de abastecimento regionais, reduzindo o gargalo da comercialização e estancando o êxodo rural.

Se o PIB do agronegócio representa hoje 30% da economia brasileira, poderia dobrar com a expansão da policultura. Se o País já tivesse alcançado esse patamar – e apesar da crise mundial desencadeada em 2008 –, não estaria às voltas com o caos da atualidade, marcado por inflação, desemprego e insípidos ajustes fiscais.

Invocando o ditado de que não se deve por todos os ovos numa única cesta, alerto para a necessidade de o produtor otimizar sua propriedade rural. Isto deve ser feito com conhecimento, muita dedicação e trabalho. E com o Estado assumindo, de direito e de fato, pesquisa, assistência e orientação técnicas. É perfeitamente possível transformar terrenos pequenos em polos agrícolas altamente produtivos. Basta dizer que a renda (faturamento líquido) proveniente de flores cultivadas em 1 hectare (dez mil metros quadrados – m²) de estufas é idêntica à de 100 hectares (1 milhão de m²) plantados com soja. Ou ainda, o resultado financeiro de 1 hectare (10 mil m²) de alface (com três safras por ano) equivale ao de 80 hectares (800 mil m²) de soja.

Para o aproveitamento máximo da propriedade rural, o produtor precisa sair da sua zona de conforto. Ao lado da pecuária de leite, por exemplo, há tempo e espaço para explorar novos cultivares e crescer com atividades paralelas – cultivo de hortaliças, frutas, flores, piscicultura e até pequenas criações.

"Míni e pequenas propriedades, mesmo localizadas em regiões
com topografia irregular, comportam a policultura altamente rentável"
Nada contra as grandes culturas. Ao contrário, merecem respeito e gratidão pelo inquestionável benefício à sociedade brasileira. O objetivo é chamar a atenção dos governantes para o fato de que míni e pequenas propriedades, mesmo localizadas em regiões com topografia irregular, comportam a policultura altamente rentável, com qualificação e tecnologia. Exemplos e referências não faltam.

Escolhendo os itens apropriados em função das características climáticas, de solo, recursos hídricos e outras que interferem com a atividade agrícola, tenho certeza de que produtores com área ociosa ou subaproveitada poderão se tornar empresários rurais competentes, produzindo com bons resultados financeiros e gerando retorno social, sob a forma de empregos e arrecadação municipal.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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