quinta-feira, 7 de maio de 2015

‘Rodoenças’ do trânsito

Mais de R$ 30 bilhões por ano é o quanto o Brasil gasta com acidentes de trânsito. Se incluir as despesas com doenças decorrentes da poluição geral, como alergias e até câncer, a cifra anual ultrapassa R$ 50 bilhões. O valor dobra, se o cálculo considerar gastos com combustíveis e a baixa produtividade dos trabalhadores submetidos ao estresse da locomoção sobre rodas – leia-se péssima qualidade do transporte coletivo e grandes congestionamentos.


A estimativa baseia-se em dado do Ministério da Saúde que, em 2006, já apontava gastos de R$ 24,6 bilhões anuais somente com acidentes de trânsito. Nosso País repete o flagelo de grandes centros urbanos, como Londres e Nova Iorque, que penam para frear os males causados pelo excesso de veículos nas ruas. Já existem cidades que proíbem construção de estacionamentos nos prédios da área central. 

Por aqui, já há rodízio de veículos. Fala-se em pedágio urbano. Em breve, teremos de imitar cidades que estabelecem limite de veículos por família. É impossível que os governantes não percebam a trajetória medonha que se delineou em função da política econômica calcada na indústria automobilística. Num exemplo recente, está a crise de 2008, com os efeitos perversos da eleitoreira desoneração de impostos sobre carros. 

Em 1999, eram 27 milhões de veículos, segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Hoje, são 60 milhões. Agravando as distorções, está a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre combustíveis. O governo arrecada, mas não controla o destino do dinheiro. Só 7% do total angariado segue para investimentos em transporte coletivo. Quase a totalidade passa longe dos trilhos e das ciclovias.

Se priorizarmos o transporte público para o sistema ferro-metroviário, bem estruturado, eficiente e com preço justo, teremos condições de elevar a qualidade de atendimento. É uma barbárie o trabalhador ser obrigado a gastar mais de 15% do seu salário com condução e ter de passar, no mínimo, três horas diárias sacolejando nos ônibus para ir e voltar. O dono de automóvel também paga caro, comprometendo de 30% até 60% do seu rendimento com os deslocamentos.

"Modelo racional é que o sistema ferro-metroviário cubra o território
em grandes anéis de circulação, cabendo aos ônibus responder pela
locomoção entre pontos de curta distância dentro desse eixo."
O modelo racional é que o sistema ferro-metroviário cubra o território em grandes anéis de circulação, cabendo aos ônibus responder pela locomoção entre pontos de curta distância dentro desse eixo. Mas, tudo fica a cargo do transporte sobre rodas. As ciclovias, então, são raridade.

Além do mais, sem um Plano Diretor para nortear o desenvolvimento urbano, que vislumbre um horizonte mínimo de 30 anos, esteja pautado pela evolução regional, além de compatibilizar a expansão empresarial com a implantação de moradias populares nos mesmos locais ou em localidades próximas, são reduzidas as chances de melhorar a mobilidade urbana e, junto com ela, a qualidade de vida.

Guardadas as proporções, o Distrito de César de Souza, em Mogi das Cruzes, é um bom exemplo das vantagens da proximidade entre moradia e trabalho. Quando prefeito, implantamos o Núcleo Industrial Alcides Celestino. Ao mesmo tempo, surgia o condomínio residencial da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) e a rede de equipamentos urbanos, como escolas, posto de saúde e afins.

Evidente que tudo seria melhor, se o transporte coletivo alcançasse a esperada evolução e as ciclovias fossem realidade. Com as migalhas que recebe do bolo tributário arrecadado no País (de 10% a 15%), o Município não pode bancar sozinho os investimentos. De qualquer forma, vale o conceito de reduzir os deslocamentos do trabalhador. 

Por conta das sérias deficiências do transporte coletivo, da baixa oferta de ciclovias e das facilidades de comprar um carro, cada vez mais gente se desloca com condução própria. Para trocar o uso do seu carro pelo coletivo ou pela bicicleta, o cidadão precisa saber que gastará bem menos, economizará tempo e desfrutará de conforto e segurança. Esta é a meta mais fácil de atingir. A mais complicada é a vontade política dos governantes para tomar as medidas de que o País precisa. Caso contrário, continuaremos multiplicando e pagando as ‘rodoenças’ do trânsito. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

Crédito da foto: Heleno Rezende

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