quinta-feira, 21 de maio de 2015

Cidades às escuras

Não bastasse o crescente aumento da violência em todo o País, a criminalidade vem ganhando uma nova e potente aliada: a escuridão. É efeito direto da perversa decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de transferir para os municípios a responsabilidade pela manutenção da iluminação pública. Desde o início do ano, quando a imposição entrou em vigor, multiplicam-se os casos de cidades às escuras. 

As dificuldades para assumir a obrigação imposta pelo governo federal são maiores quanto menor é o orçamento da cidade. Se a situação já é calamitosa para municípios do Estado de São Paulo – o mais rico da Federação –, imagine a tragédia financeira em prefeituras mais pobres. 

Em média, cada cidade de 20 mil até 30 mil habitantes tem 3 mil pontos de iluminação, com custo unitário estimado de R$ 10,00 por mês – incluindo o consumo –, que poderá chegar a R$ 18,00 por unidade, se houver necessidade de manutenção ou substituição de equipamentos. Num cálculo rápido, a prefeitura tem despesa anual superior a R$ 600 mil. Considere bem mais, porque os valores são de 2013 e engordam bastante com a galopante correção inflacionária. 

Além disso, ao assumir o encargo, a prefeitura recebe conjuntos luminotécnicos (postes, lâmpadas, cabos condutores e reatores, etc) usados, já gastos e com grande probabilidade de precisarem de substituição ou manutenção. O contribuinte pagou pelos equipamentos novos, mas a municipalidade recebe itens corroídos e tem de arcar com as reposições. 

Como bancar mais essa conta com os cofres públicos minguados? A norma da Aneel ignorou o contexto da economia nacional e seus efeitos sobre as cidades, já sacrificadas com o repasse do menor percentual (10% a 15%) do bolo tributário arrecadado no País. A União fica com 65% do montante, enquanto os estados levam de 20% a 25%. 

As cidades já sofrem com a herança macabra da política adotada pelo governo, que desonerou produtos e serviços, derrubando vertiginosamente os repasses para os municípios. Nada menos que 3,2 mil prefeituras não haviam conseguido fechar suas contas em 2013. Como mais um presente de grego, veio a municipalização da iluminação pública.

Para assumir o encargo, a prefeitura tem duas alternativas: colocar seu próprio pessoal para cuidar dos serviços, o que é impossível porque não tem profissionais qualificados; ou contratar uma empresa para a missão, o que não é de graça. Mesmo em sistema de consórcio, centenas de cidades não têm como arcar com essa responsabilidade.

"Passei boa parte do mandato na Câmara Federal
insistindo na revogação da norma da Aneel"
Passei boa parte do mandato na Câmara Federal insistindo na revogação da norma da Aneel. Houve até uma audiência pública. Representantes do governo se limitaram a sugerir que as prefeituras aprovem projeto nas câmaras municipais e criem a CIP (Contribuição para Custeio da Iluminação Pública), a fim de obter a receita necessária à manutenção do serviço. Em outras palavras, joguem a conta no bolso do munícipe. 

O risco das cidades às escuras, que repisei tantas vezes, foi ignorado. Tudo o que conseguimos foi adiar a vigência da obrigação: de janeiro para dezembro de 2014. As resoluções (414/2010 e 479/2012) da Aneel desrespeitam a autonomia dos municípios e permitem que a agência legisle sobre assunto que não é de sua competência. Já existem mais de 300 ações na Justiça dando ganho de causa em primeira instância às pequenas prefeituras. Nossa Mogi das Cruzes também buscou o amparo judicial, fazendo de tudo para não assumir o imbróglio e acabou forçada a criar a CIP. 

No atual cenário, a única esperança é o Senado aprovar o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1428/2013, que suspende os efeitos das resoluções que passaram para os municípios a responsabilidade pela iluminação pública. Já aprovada pela Câmara dos Deputados, a proposta só depende do aval dos senadores para ser promulgada e começar a valer. O problema é o tempo. Com a urgência focada no ajuste fiscal, é provável que demore. Até lá, a escuridão terá galgado espaços bem maiores. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

Crédito da foto: Arquivo/Cláudio Araújo

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