quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Tempo de despertar

Penso em José e Maria nos dias atuais. Em meio à insegurança que atormenta os cidadãos de bem, haveria uma boa alma para acolher o casal pobre para o nascimento da criança que seria o nosso Salvador? Se a grávida Nossa Senhora batesse à porta junto com o marido e pedisse abrigo, você daria e lhes ofereceria comida? Ou os expulsaria feito doença ruim com medo de que fossem bandidos?

Todos estão muito atolados nos próprios problemas que têm dificuldades ou quase incapacidade de enxergar o sofrimento alheio. E para agravar a situação, existe o medo. De ser assaltado, usurpado, de ser feito de bobo, assassinado.
Esses pensamentos me vêm à cabeça às vésperas de mais um 25 de dezembro, o dia de comemorar o nascimento de Jesus Cristo. Mas, na atualidade, qual de nós daria abrigo a José e Maria para que os herdeiros deste planeta pudessem, no futuro, festejar o Natal? A resposta é um imenso ponto de interrogação.

A alma humana ainda guarda mistérios insondáveis. Em meio às árvores com bolas coloridas, recheadas de pacotes de presentes e reluzentes pisca-piscas, deixo-me absorver pelo clima natalino. Mas, a beleza que emerge do período não apaga da memória lembranças sombrias da agonia de tantos.

Dizem que o convívio com a violência e suas mazelas anestesiam o coração, fazendo com que a dor dos outros seja encarada como banal, mera notícia de jornal amanhecido que serve para embrulhar banana na feira. Não é verdade. Tanto, que me vêm à cabeça os rostos de vítimas das enchentes na virada do ano passado, de inocentes brutalmente chacinados nos conflitos entre traficantes e policiais, de amantes do futebol mortos nas guerras de torcidas, de universitários mutilados nos abomináveis trotes e tantas outras atrocidades que adoecem o cotidiano de gente de bem.

Enquanto muitos preparam o peru e os quitutes para a maravilhosa ceia natalina, não posso me furtar de pensar naqueles que amargam a falta de tudo. E, sequer, terão um pedaço de pão para comer neste Natal. A miséria é uma forma de violência tão cruel como as outras. Igualmente, tira do ser vivo a chance de sobreviver. Reflito sobre quanto sofre Jesus ao ver tanta desigualdade social. Uns com tanto; outros sem nada...

Dia destes recebi um e-mail para coletar assinaturas no abaixo-assinado em repúdio à crueldade contra animais na China. O link para a filmagem feita com câmera escondida trazia imagens que, até agora, parecem arrancar lascas da minha alma. Não bastasse a matança, os cães têm sua pele retirada enquanto ainda estão vivos. Por cerca de 10 minutos, o coração ainda bate, os olhos piscam e as patas tremem naqueles corpos decepados. A brutalidade é tamanha que tive de conferir se os carrascos eram mesmo seres humanos. Melhor seria que não fossem. Gostaria de acreditar que um ser humano é incapaz de cometer um ato tão abominável.

Não pensei meia vez em aderir ao abaixo-assinado, apelar aos meus contatos que também o fizessem e distribuíssem para seus amigos pedindo adesões. Em meio a meus pensamentos sobre o comportamento individual e a conduta social na atualidade, fui surpreendido. A maciça maioria das pessoas a quem pedi que engrossasse o rol de indignados com a prática selvagem na China aderiu ao abaixo-assinado.

A solidariedade dessas pessoas fez surgir no horizonte um feixe de esperança. Percebi que a sensibilidade ainda não foi engolida pela correria e problemas de cada um no cotidiano. Estávamos, todos nós, formando uma corrente do bem na expectativa de ajudar a combater uma tremenda injustiça.

Assim, me recordei da legião de cidadãos que se dedicam a levar um pouco de alegria às crianças pobres das favelas, distribuindo brinquedos no Natal. Também me lembrei daqueles que, o ano inteiro, servem comida aos necessitados. E de tantos que se esforçam para arrecadar mantimentos e roupas a serem doados às famílias necessitadas. E ainda de outros anônimos que doam seu tempo e dedicação para confortar quem sofre nos hospitais, asilos e abrigos. Sim, os humanos de verdade são bons. Procuram ajudar, buscam construir um mundo mais justo e mais humano.

De repente, a árvore de Natal a minha frente transmitiu uma nova leitura. A alma humana não está soterrada pelos atos criminosos que assolam o dia a dia. Ainda somos capazes de sentir, amar, protestar contra as injustiças, fazer valer a força do amor.
Com a esperança de que haveremos de ter sucesso na gigantesca luta contra as iniquidades sociais, deixo a cada um o apelo para que neste Natal façamos, em oração, uma corrente do bem. Vamos pedir ao Criador alívio para as dores dos que sofrem, alimentos para quem tem fome, abrigo para os sem-teto, conforto espiritual para os desconsolados, fé para os incrédulos e bondade na alma de gente ruim.

É tempo de despertar. E de orar. Pela paz mundial, pelo futuro do planeta, pelo fim das desigualdades sociais, pelo resgate do ser humano. Façamos neste mundo o que viemos fazer, sem desvios nem quedas. Assim, com nossos esforços e as bênçãos de Deus, José e Maria sempre terão acolhida. E Jesus poderá renascer sempre em cada um de nós, todos os dias. Feliz Natal!
Junji Abe é deputado federal - DEM

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