sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Educação inclusiva para combater preconceito

Se o ensino público já é precário de forma geral e em todos os níveis, o que dizer da qualidade do serviço para alunos com necessidades educacionais especiais? Quase impossível comentar, considerando que na maior parte do País isto, simplesmente, não existe.

Numa era em que se fala tanto de inclusão social – e com razão, dado o maciço contingente de excluídos –, o atendimento adequado ao escolar com necessidades especiais torna-se tema obrigatório na pauta do Poder Público. A negligência na abordagem do problema tende a multiplicar a população de excluídos sociais, o que pode ser evitado se o aluno, desde criança, e sua família receberem atenção apropriada.

São comuns comentários do tipo: “Minha filha não presta atenção nas aulas, conversa demais e sempre vai mal na escola...”. Ou ainda: “Meu filho é muito quieto e não faz amigos, mas é o melhor aluno da classe”. Comportamentos assim são normais ou podem sugerir a necessidade de tratamento diferenciado?


Para responder à pergunta com o diagnóstico correto e agir com eficiência, optamos por um levantamento minucioso em Mogi das Cruzes. Uma equipe multiprofissional entrevistou os pais e conversou com cada aluno que, segundo seus professores, apresentava alguma dificuldade de aprendizado ou comportamento irregular.

O processo de avaliação identificou cerca de 10 mil alunos com necessidade de atendimento diferenciado – do Ensino Infantil ao Médio – matriculados nas escolas das redes estadual, municipal e particular. Conhecendo o público-alvo da educação inclusiva, implantamos um empreendimento-modelo para oferecer atividades complementares ao trabalho desenvolvido em sala de aula.

Alicerçado na perfeita sinergia entre as equipes das redes municipais de educação e de saúde, o Centro de Atendimento ao Portador de Necessidades Educacionais Especiais “Ricardo Strazzi”, o Pró-Escolar, materializa o conceito de assistência integral aos alunos com problemas de aprendizado, hiperativos, superdotados, com deficiência física ou mental, ou ainda com desvios de conduta. Fundamental: é um serviço público.
Abro parênteses para falar sobre a escolha do nome do Centro: o saudoso Ricardo Strazzi presidiu, por décadas, a Apae de Mogi, com absoluta maestria e devoção ímpar de quem dedica a vida para vencer preconceitos e combater a discriminação.

Voltando ao Pró-Escolar, o prédio de três pavimentos, com 1.488 metros quadrados construídos, é dotado de salas de recursos para cada tipo de deficiência (auditiva, visual e mental), intervenção precoce e altas habilidades. Tudo, associado à iluminação e cores ajustadas para quem tem baixa visão, texturas, sinalização em braile, fragrâncias, sabores e até um jardim sensorial, acessível a quem não dispõe de um dos sentidos.

O apuro arquitetônico e a multiplicidade de recursos dão respaldo aos especialistas. Da direção ao pessoal da limpeza, passando por educadores e profissionais de saúde, são mais de 50 funcionários. Pais e responsáveis também recebem atendimento e orientação para cultivarem o bom relacionamento com seus filhos. As escolas também dispõem de apoio especializado.

A réplica de uma casa resume a essência do Centro: combater o preconceito e promover a inclusão social. Mais do que ensinar a lidar com o fato de ser diferente, é fazer com que a diferença nunca seja barreira para o aprendizado, o bem viver e a convivência social.

Não por menos, o Pró-Escolar é considerado exemplar pela Fundação Vanzolini, instituição privada sem fins lucrativos – criada, mantida e gerida pelos professores do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP.

O foco da educação inclusiva não é massificar o ensino ignorando necessidades específicas. Ao contrário, é proporcionar atendimento eficaz às diferentes demandas dos estudantes. Incluir é administrar diferenças. O que precisa ser definitivamente excluído é o preconceito.
Junji Abe (DEM) é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Aprendendo a ensinar com qualidade

Cabe a toda liderança política que se preze trabalhar com firmeza para melhorar a qualidade da educação no Brasil. Os avanços dos últimos 20 anos ainda estão muito aquém das necessidades do povo brasileiro, principalmente face à realidade do mundo globalizado. Isto acontece no Estado de São Paulo e é ainda pior em outros pontos do País.



Para alavancar o processo de evolução do ensino, é fundamental começar do básico. Isto quer dizer, tanto da formação da criança quanto da qualificação do educador. É um desafio que se vence com o esforço mútuo do Poder Público e dos educadores, com a participação da comunidade. E que exige prédios bem planejados, equipamentos de ponta e remuneração compatível dos profissionais.


Ninguém que trabalha insatisfeito produz bem. E também não vive bem. Um professor desmotivado pode gerar estudantes desinteressados em aprender e ser pouco atencioso ou até indiferente com os pais dos alunos. Um educador desatualizado corre o risco de perder o respeito da classe, dos colegas e, por tabela, de quem mora na região onde atua. Resultado: aprendizado comprometido e relacionamento ruim com a comunidade.

Exercer o cargo de prefeito traz grande bagagem de conhecimento. Especialmente, numa cidade como Mogi das Cruzes e seus cerca de 400 mil habitantes. Para alcançar a meta do ensino de qualidade, investimos pesado nos profissionais. Lidamos com o ser humano que é cada integrante do Sistema Municipal de Ensino. Não se obriga um professor a aprender a ensinar melhor. Esse desejo precisa ser despertado. Nem sempre está latente. Muitas vezes, tem de ser cultivado.

Deixamos a administração em 2008 com a certeza de que 100% dos educadores perseguem o objetivo de ensinar cada vez melhor. Em apenas um ano, os mais de 1,5 mil profissionais da rede municipal preencheram as perto de 10 mil vagas oferecidas em cursos, oficinas, palestras e workshops, todos voltados à capacitação profissional. A definição de temas tomava como base diagnósticos das necessidades dos docentes.

A construção do prédio do Cemforpe – Centro Municipal de Formação Pedagógica coroa o bem-sucedido plano de ações para o desenvolvimento e aprimoramento profissional. E não se trata de um espaço restrito a professores e técnicos da rede municipal. Está aberto a todos os educadores de Mogi das Cruzes e dá suporte a profissionais de municípios vizinhos.

A cargo dos especialistas do Cemforpe também está a tarefa de auxiliar as escolas na formulação de seus projetos pedagógicos, assim como a de elaborar, criticar, selecionar e difundir materiais didáticos. A orientação para a introdução e uso de novas tecnologias é outro trabalho de extrema importância no mundo globalizado, regido por mutações e avanços ininterruptos no campo cibernético.

O projeto arquitetônico consiste em mais de 4 mil metros quadrados de área construída. Para concentrar cursos de atualização, aperfeiçoamento, palestras e debates, a edificação abriga biblioteca, videoteca, salas de aula, de música, laboratório de informática e miniauditório, além de um espaço de convivência – auditório com 760 lugares, entre outros.

O Cemforpe também tem a atribuição de acompanhar, orientar e avaliar o desempenho do Sistema Municipal de Ensino, além de analisar os resultados do processo de aprendizagem e da performance do professor.

Engana-se quem pensa que o Cemforpe existe para beneficiar os professores. É um equipamento apropriado para os educadores orquestrarem o ensino de qualidade. Vem de Mogi das Cruzes o exemplo que pode e deve ser aproveitado em nível nacional. Seja com recursos do próprio município ou com ajuda extra da União e do governo estadual para o caso das cidades com orçamento reduzido.

Significa garantir que os alunos sejam atendidos por profissionais valorizados e qualificados para uma ação pedagógica cada vez mais eficiente numa rede escolar integrada com a comunidade e capaz de consolidar os avanços necessários na educação. Não apenas em quantidade de escolas, em estrutura física. Mas, principalmente, na dinâmica de ensinar e aprender. Com prazer. E todo dia, porque o aprendizado do ser humano é infinito.

Junji Abe (DEM) é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Em nome de Zilda Arns...


O ser humano, sábio e criativo, vem construindo, desde os primórdios, ditados e provérbios que se enraízam com tamanha força na mente a ponto de muitos se tornarem verdadeiras luzes. Iluminam nossos caminhos na escuridão das adversidades da vida. Inclusive, em situações dramáticas.

Enquanto as notícias não varriam o Planeta com a velocidade e precisão dos dias atuais, o povo – amparado no sentimento de que “o tempo é o melhor remédio – ia reconstruindo sua caminhada, abalada ou fragmentada diante de trágicos acontecimentos.

As tragédias advindas da natureza sempre existiram. Desde que o mundo é mundo. Aqui, faço questão de ressaltar que muitos acontecimentos graves não eram o que se pode classificar como vingança da natureza contra o ser humano. Mas sim, adventos da própria natureza.

No cenário contemporâneo, as catástrofes decorrentes de fenômenos naturais aumentaram geometricamente. Tal fato, conjugado ao avanço tecnológico e globalizado dos meios de comunicação, traz ao nosso conhecimento, em tempo real, todos os flagelos da Terra. Sofremos, com o coração sangrando de dor e a alma inconsolável, pela morte de pessoas, mesmo que distantes do nosso relacionamento cotidiano.

Em função das sucessivas tragédias, o tempo não tem sido o melhor remédio e nem mesmo o bálsamo para aliviar as feridas da alma. Não há trégua. As calamidades neutralizam as tentativas de recompor nosso equilíbrio espiritual e agravam nossa sensação de impotência para ajudar, como gostaríamos, sobreviventes e familiares de vítimas fatais das contínuas catástrofes.
São irmãos e irmãs martirizados no mundo inteiro. Restaram mortos, feridos e desabrigados de cidades brasileiras arrasadas por inundações em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina; e agora pelo terremoto no Haiti.

Mal saímos da tortura do fenômeno tsunami que castigou a região da Ásia, assistimos, mudos de dor, à destruição causada pelo terremoto no Haiti. Entre tantas vidas dizimadas, sofremos a perda de Zilda Arns Neumann, um expoente mundial de bondade e dedicação ao próximo.

Em nome dessa mulher – destemida, incansável e livre de fronteiras na missão de difundir amor –, expresso minha solidariedade a todos os flagelados, incluindo seus familiares e amigos, das catástrofes que se abateram sobre o planeta. Convidando a todos para que se unam em oração, rogo a Deus que dê força aos sobreviventes e deposite um pouco de alívio nesses castigados corações. Peço ainda que aqueles em condições de auxiliar, com doações e serviços, mantenham-se firmes no exercício da solidariedade.

Junji Abe é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Como diminuir a violência?

A maré de violência se alastra por todo o País, com um aparato sem precedentes bancado pelo narcotráfico, que redesenhou o perfil da criminalidade ao longo dos últimos 15 anos. Essa rede, endinheirada e armada, encontra na miséria um campo próspero para multiplicar seus elos. Enquanto famílias se decompõem, crianças e adolescentes são presas fáceis do vício. Muitos dependentes viram traficantes. Também é moleza para a bandidagem recrutar agentes entre os desempregados.

Tem mais. Parte da sociedade civil organizada cede à tentação do lucro fácil. Participa de contrabando, lavagem de dinheiro e outras incursões no submundo. Não bastasse, há autoridades e políticos que faturam “caixa 2”, aceitam propina, concedem privilégios e até negociam sentenças judiciais. Para piorar, quase tudo desfila sob o manto da impunidade.

Se a corrupção mina a sociedade, é difícil negar que produza mazelas na atuação de uma pequena parcela de funcionários contratados para zelar não só pela segurança pública, mas também por outras áreas. Há uma efervescente podridão dissipada na sociedade. Assim, presos usam celulares, alguns agentes aceitam suborno ou praticam extorsão e por aí afora.

Cidadãos de bem viram reféns do crime organizado. Mais do que lamentar a sucessão de tragédias, é preciso agir. E rápido. A gradativa reversão desse quadro e o consequente resgate dos referenciais de moral e ética dependem de duas frentes simultâneas de trabalho. Uma sob a batuta do Poder Público. A outra cabe a cada um de nós, cidadãos.

Falando da primeira, é preciso uma grande reforma política abrangendo os poderes Executivo e Legislativo, incluindo questões como fidelidade partidária, fim da reeleição, coincidência de eleições, duração dos mandatos limitada a cinco anos e redução do número de partidos políticos – dos atuais 30 para, no máximo, cinco. Isso neutralizaria o risco de políticas inadequadas, fruto da cobiça pela permanência no poder. Ninguém mais confundiria cargos eletivos com profissão, pois desempenhar a função pública eletiva é essencialmente um sacerdócio.

Só assim teríamos as legítimas reformas que o País precisa nos campos tributário, previdenciário, trabalhista, entre outros, para crescer com justiça social. Isso evitaria também que a relação entre Executivo e Congresso fosse similar a de um balcão de negócios.

Paralelamente, a melhoria da segurança pública exige o trabalho conjunto do governo, nas três esferas. Significa não só aprimorar a atuação das Polícias e o sistema prisional, mas também empreender ações contínuas para prevenção da violência. Como exemplo, cito o trabalho desenvolvido ao longo dos oito anos em que exerci o cargo de prefeito de Mogi das Cruzes. Investimos pesado na educação e no desenvolvimento social, focando ocupação saudável para os menores, incentivo à cidadania e o cultivo da religiosidade.

Visando preencher o tempo ocioso de crianças e adolescentes, estruturamos a rede municipal para que nosso sucessor iniciasse o período integral nas escolas. Os primeiros resultados têm sido excelentes. Além do conteúdo curricular, os alunos permanecem na escola aprendendo artes, praticando esportes e desenvolvendo outras atividades importantes para sua formação pessoal. Ou seja, deixam de ficar à mercê da criminalidade. Este programa também completa a lacuna gerada pela proibição legal do trabalho antes dos 16 anos de idade. Inserido na Constituição para incentivar os menores a estudar, o dispositivo não teve o devido respaldo em investimentos públicos na educação e acabou por instituir-lhes o ócio no horário livre das aulas.

Mas, isso tudo não basta. A derrocada do império da violência exige o empenho de cada indivíduo, partindo do ajuste dos laços com sua família. Tem de dar carinho, dialogar, investir no bem-estar emocional de quem mora com você. É nesse ambiente que se consolidam valores morais. Também é em casa que o ser humano começa sua relação com Deus. Independe da religião. O essencial é a presença de Deus na família. Assim, se aprende a ter fé. E isso faz toda diferença quando chega a hora de lidar com este mundão aqui fora.

Junji Abe é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Natureza cobra dívida. É hora de pagar

Há 50 anos, não se ouviam neste País vozes de autoridades públicas dissipando políticas de preservação da natureza e proteção ambiental. Talvez, em meio à então, quase inexistente, sociedade civil organizada, houvesse estudiosos, pesquisadores e especialistas conscientes, intransigentes na defesa do desenvolvimento sustentado, com a imperiosa necessidade de coexistência harmoniosa entre ser humano e meio ambiente. De forma geral, essas manifestações não encontraram ressonância no Poder Público, tampouco no alicerce básico de formação humana, que é a educação escolar e familiar. No passado, não havia disciplinas curriculares nem a mínima preocupação nos lares com questões cruciais sobre o tema.

Tal registro não objetiva buscar culpados pela herança maldita. Afinal, já diz o ditado popular que “águas passadas não movem moinhos”. Contudo, é importante relembrar os fatos para enraizar a consciência inabalável de que medidas urgentes precisam ser tomadas. Por todos do Planeta Terra, em nome da sobrevivência humana.

Encaro este dever de cidadão e homem público, com espírito de guerra. Na verdade, todos sabem, com maior ou menor abrangência, das obrigações para com o meio ambiente. Porém, em se tratando da natureza humana, egoísmo, ganância e negócios escusos acabam destruindo ou marginalizando interesses de ordem coletiva e global. Os exemplos estão bem diante dos nossos olhos. Basta citar os desencontros constatados na Conferência de Copenhague, onde países como EUA e China foram totalmente insensíveis à adoção de medidas protetoras do nosso Planeta.

Não é preciso ir longe. Aqui mesmo multiplicam-se ameaças de gente rica e poderosa que quer violentar disposições legais para construir à beira de córregos, derrubar mata nativa e assim por diante.

Dentre tantas agressões à natureza, reputo que a ocupação das áreas de várzeas – em parte, ocorrida com amparo legal; em parte, derivada de invasões – é a mais grave por trazer consequências dramáticas aos ocupantes e prejuízos aos habitantes de regiões vizinhas. É um erro crasso admitir edificações e permanência humana em áreas de várzea.

O Poder Público tem de tomar providências cabíveis para as remoções. Apenas as leis mais recentes protegem amplas áreas de várzea de qualquer tipo de ocupação. Portanto, aqueles que se instalaram por força de antigas disposições legais precisam ser indenizados para deixar o local. Já os invasores – em sua totalidade, famílias de baixíssima renda – devem ser transferidos para moradias populares da CDHU ou de programas habitacionais como o PAR.

Após tragédias, quase diárias, neste início de verão, a comoção e solidariedade aos desabrigados – vítimas de perdas totais ou parciais – e, notadamente, às famílias enlutadas, são legítimas. A ajuda brota do seio da sociedade e as autoridades constituídas adotam medidas emergenciais. As feridas, porém, jamais vão se cicatrizar.

Não há como corrigir, em alguns anos, um histórico de violência contra a natureza que se perpetua por séculos. Além da consciência cívica coletiva para proibir novas agressões e congelar, por completo, a ocupação das várzeas e a degradação do meio ambiente, cabe à sociedade em parceria com o Poder Público, diminuir, ano a ano, o grande passivo ambiental.

Como exemplo, pinço o caso de Mogi das Cruzes. Pela primeira vez, após 2001, foi elaborado o Plano Diretor de Macro-Drenagem da cidade e iniciadas as obras. Por sinal, caríssimas, como Reservatório de Retenção (Piscinão), uma série de canalizações, reconstrução de pontes – dez, no Córrego dos Canudos; quatro, no Ribeirão Ipiranga; uma, no Córrego dos Corvos, etc... – alargamento e aprofundamento da calha do Ribeirão Ipiranga e outras.

Além de medidas executadas ao longo do tempo em que comandei a Prefeitura, elaboramos os projetos, submetemos aos órgãos federais e obtivemos a liberação, via Caixa Econômica Federal, de recursos da ordem de R$ 70 milhões, a fim de que meu sucessor pudesse dar continuidade às ações de recuperação de áreas degradadas visando o combate às enchentes. Mantendo os investimentos nesse ritmo, sem parar, creio que, daqui a 20 anos, os passivos ambientais de grande porte estarão superados em Mogi. É um conjunto de medidas que têm de ser implementadas pelo bem da sociedade, independente de quem esteja no governo.

Junji Abe (DEM) é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

Das tragédias, lições a serem aprendidas

Uma sucessão de tragédias calou, no silêncio de vidas interrompidas, a rajada de fogos que saudava o Ano Novo. A morada da dor fez-se de vítimas fatais, feridos e desabrigados por causa de soterramentos, deslizamentos de terra, vastas inundações, destruição de cidades, estradas bloqueadas ou operando em situação precária.

Foi mais um manifesto da natureza que revidou as contínuas agressões sofridas pela ilimitada ganância de muitos sem os devidos freios por parte de algumas autoridades. Infelizmente, fenômenos naturais não elegem destinatários. O ônus do descaso ambiental recaiu indistintamente sobre famílias a quem externo profundos sentimentos de pesar e plena solidariedade.

Em que pesem o sofrimento e a comoção que atordoam a lógica, é preciso usar a racionalidade. Quem ignora o passado, não aprende com o presente e desperdiça a chance de evolução, comprometendo o futuro. Sociedade e Poder Público tem de agir juntos, e rápido. Implica adotar medidas firmes e objetivas para coibir ocupações irregulares – em especial, a ação inescrupulosa de especuladores que se aproveitam da boa fé de gente pobre para vender ilegalmente áreas de várzeas –, desmatamentos e intervenções desmedidas nas encostas de serras, associadas a reformulações de infra-estrutura e melhor capacitação dos agentes públicos encarregados de ações preventivas, principalmente as equipes de Defesa Civil.

Em outras palavras, eliminar – tanto quanto possível – os riscos de outras tragédias idênticas. Só no Estado de São Paulo, as fortes chuvas afetaram 111 municípios, colocaram 19 em situação de emergência e outros dois em estado de calamidade pública. Segundo a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, foram 43 mortos e 27 feridos. Uma pessoa continua desaparecida no Vale do Paraíba. Boletim divulgado hoje informa que há 3.197 desabrigados – aqueles que perderam tudo e dependem de abrigos públicos – e 15.858 desalojados – que contam com ajuda de familiares e vizinhos. Vale lembrar que o verão está apenas começando...

Paralelamente, é vital amparar os municípios atingidos pelas catástrofes. Com receitas miúdas, a maioria jamais poderá se recuperar sem ajuda financeira do Estado e da União. E o que será de seus habitantes? É o povo que perdeu seu lar, seus pertences, sua cidade – e, com ela, sua capacidade de sustento.

Veja só a situação de Guararema, no Alto Tietê, e de cidades do Vale do Paraíba, como Cunha e a histórica São Luiz do Paraitinga – as duas mais prejudicadas em São Paulo e em estado de calamidade pública. Esta última parece ter sido atingida por um furacão. Balanço realizado pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) aponta cerca de 300 imóveis danificados pelas enchentes. Destes, pelo menos 40 eram tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado).

Junto com a destruição de equipamentos públicos, da infra-estrutura urbana e de exemplares arquitetônicos dos séculos 18 e 19, São Luiz do Paraitinga teve mutilada sua principal fonte de arrecadação – o turismo. Famílias desabrigadas perderam, além do lar, seu ganha-pão.

O mundo perdeu boa parte da cultura instalada em cada palmo da cidade histórica. E isto tudo tem de ser resgatado, sob pena de extinguir a memória, um patrimônio da humanidade. Será uma tarefa árdua. Requer investimentos e técnicos qualificados para ações que vão além do que os olhos veem.

A alma de uma cidade é o seu povo. E o povo de São Luiz do Paraitinga sofreu um duro golpe em sua auto-estima. Tem de ser tratado e curado. Só assim o município estará integralmente restaurado para acolher, encantar e aculturar os visitantes, como tão bem fez até a catástrofe. Felizmente, o espírito de solidariedade não foi levado pelos temporais. Vale conferir o fabuloso esforço de equipes de rafting, que se valeram de habilidades e equipamentos de lazer, para salvar vidas: http://paraitinga.com/blog/20100108-rafting-sao-luis-do-paraitinga---os-herois-da-enchente. É a sociedade fazendo a sua parte.

Junji Abe (DEM) é ex-prefeito de Mogi das Cruzes